terça-feira, 24 de agosto de 2010

A vida tem dessa coisas

Mestre em confusões, Jerônimo sempre se envolvia em alguma roubada, não que ele fosse arruaceiro ou briguento, não, muito pelo contrário. Jerônimo sempre foi um bom garoto, não gostava de brigas, assistia as corridas de fórmula 1 pela manhã no domingo, gostava de comer a sobremesa antes da refeição principal, e tinha a estranha mania de chegar em todos os seus compromissos com 5 minutos adiantado (atrasado??? NUNCA).

E para alguém que vivia decorando placas de carro e que folheava as revistas de traz pra frente, Jerônimo levava a vida numa boa, exceto por alguma confusãozinha aqui ou outra ali por causa de sua pressa.

E foi em uma dessas “confusões” que Jerônimo conheceu Albertina.

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Albertina era uma garota simples, sempre andava cabisbaixa contando os passos, nunca, mais nunca mesmo, pisava sobre as rachaduras do passeio, do piso, ou do asfalto, adorava comer iogurte com leite condensado e detestava roupa íntima pendurada no registro do chuveiro. E foi em uma de suas caminhadas pelo centro da cidade olhando para o chão tentando desviar de uma rachadura enorme enquanto atravessava a rua que viu Jerônimo. “Como pode alguém brilhar assim?” pensou ela. E não conseguiu desviar seus olhos, sua respiração alterou, seu coração acelerou e pareceu que dependeria daquele ser brilhante o resto da vida para continuar a ser feliz. Era amor a primeira vista. E então ela se lembrou que naquela altura da faixa havia uma rachadura tremenda no asfalto, a rainha de todas elas, aquela em que Albertina se vangloriava de evitar, seu mérito particular diário. E então ficou dividida, ou continuava a olhar para o chão ou para Jerônimo, e pareceu que aqueles foram os 3 segundos mais longos do mundo. “Pro chão? Ou pra frente? Pro asfalto? Ou pro carinha?”.

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Do outro lado da avenida, atravessando o cruzamento vinha Jerônimo, apressado pra chegar à faculdade, não dispunha de muito tempo e... de repente... não havia mais tempo, não havia mais relógios, não havia mais 5, 10, 30 minutos para lugar nenhum, vindo em direção contrária à sua ele viu a mulher mais bonita da sua vida. Foi amor a primeira vista, e pensar em pontualidade lhe pareceu a coisa mais medíocre do mundo. E Então, como um relâmpago, quando a garota desviou os olhos por um segundo para o chão, lhe veio uma lembrança, de início parecia terrível ter que pensar em alguma coisa, mas e seu compromisso? “A aula? Ou a garota? O relógio no pulso? Ou olhar pra frente?”.

Quando ambos deram pó si já estavam frente a frente e acabaram se esbarrando; Albertina acabou pisando na rachadura (e o mundo não acabou por conta disso!), Se levantaram rindo, se desculparam, conservaram o brilho no olho, e Jerônimo se atrasou quando a convidou para tomar um suco na lanchonete da esquina para que pudessem se conhecer melhor .

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Jerônimo acabou perdendo a aula naquela tarde e muitos outros compromissos desde que começou o namoro com Albertina que, aliás, parou de vez de contar passos ou evitar rachaduras, acompanhada do seu namorado passou a sempre andar de cabeça erguida, rindo e conversando.

O que os dois não sabem é como os passos e as rachaduras sentem falta de Albertina, e como as pessoas reclamam dos atrasos do Jerônimo, mas isso já é outra história.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Obtuário

João Filipe Dutra Alves, 19 anos. Nasceu em plena hora do almoço no meio de janeiro de 1991, em Visconde do Rio Branco Minas gerais, onde viveu até os 17 anos, o que o transformou em um típico mineirinho, curioso e de fala engraçada, uai. Adorava desenho animado e comer biscoito “amarelinho” e quando sua tia lhe disse que eles formavam uma bucha no estômago e podiam levar a morte ele mudou seu cardápio. Gostava de ir ao circo e à parque de diversões com o pai, e foi em um destes passeio que foi sorteado, primeira e única vez, e ganhou uma bola dente-de-leite. Morava em uma casa de dois andares nos fundos da casa da sua avó, com um quintal grande e uma horta. Teve um vilotrou, mas ficava andando pela casa empurrando o brinquedo com as pernas, não usava os pedais. Aos seis anos, depois de tanto insistir ganhou uma irmãzinha e ajudou a escolher o nome dela: Luiza; e também nessa idade era viciado no filme do Rei Leão e brincava na rua até tarde. Por ir muito ao sítio da avó cresceu sendo um grande defensor da natureza, conheceu os livros bem cedo, quando ainda nem sabia falar e os levou pela vida até seu desencarne. Já foi amante de iogurte com polpa de fruta, Kinder Ovo e de chocolates Surpresa, quando criança dava trabalho na hora do almoço, tanto que tomou litros e mais litros de Biotônico Fontora. Neto de italianos adorava massa, gostava de ir ao cinema e de música, do reagge ao clássico, de invernos, de comidas quentes, e não admirava muito sorvete e picolés, aos oito anos quis ter um elefante de estimação e ser um Power Ranger, era organizado e aventureiro, um pouco resmungão e preguiçoso, e sonhava um dia em aprender russo, pular de pára-quedas e viajar pelo mundo. Colecionou latinhas, pedras “preciosas”, geloucos, brincava de zoológico com bichinhos de plástico e teve alguns peixes, passarinhos e dois cachorros!

Foi o último da turma a aprender a andar de bicicleta, só se equilibrou sozinho depois de uma bronca da sua mãe, mas passou a ver no ciclismo sua forma predileta de exercício e relaxamento.

Aprendeu teatro, a tocar flauta e violão no conservatório, era um bom aluno, fez primeira comunhão, crismou e achava Deus uma pessoa compreensível, de coração grande, bem humorado e, acima de tudo, inteligente e onisciente; Mandava cartinhas e presentes para as “namoradinhas”, amadureceu os sentimentos e experimentou a estabilidade das relações mais longas e a empolgação dos beijos rápidos. Não foi muito fã de esportes, mas seguia seu time (Cruzeeeeeeiro!!) e invejava o espírito dos grandes torcedores.

Tinha grande facilidade para línguas, história e biologia e por não ser muito bom em matemática se sentia desafiado, talvez por isso - somado à sua admiração por política geral e relações internacionais – que resolveu fazer economia.

Estudou em Juiz de Fora e morou sozinho por um tempo, aprendeu a ser responsável e independente, teve que lhe dar com a pressão, com a adaptação, com a solidão e achava um milagre ter passado no vestibular, o que lhe mostrou o tamanho da sua força.

Nesse meio tempo também aprimorou sua terrível vocação para os serviços domésticos e se descobriu mais organizado do que gostaria, fez novas amizades e fortaleceu as velhas, adorava o clima frio e inconstante da cidade, criou vícios forte com as pizzas, as festinhas de apê e o miojo. Jão adorava analisar as coisas mais a fundo, era preciso ver cada pessoa, cada história com os olhos da alma, ver a essência das coisas o tempo todo. Além disso, para ele qualquer coisa deveria ser feita para, antes de mais nada, ajudar as pessoas; Amigo era amigo e era para sempre e toda hora, chegava até ser bonzinho de mais, o que lhe rendeu algumas desilusões e problemas com as pessoas de caráter frio e egoísta, mas morreu achando o ser humano e as suas relações algo fantástico. Levou com ele histórias e sonhos, e deixou pra trás o seu bom humor e lembranças divertidas e engraçadas. Não fez no mundo nenhuma realização majestosa, mas deixou em nós grandes marcas. Para o João Filipe, a vida não era pra durar muito, mas pra ser intensa.